Histórias Incríveis: Moussambani fez árbitro brasileiro rezar em Sydney
Rodney Finizola temeu ter que mergulhar na piscina para socorrer nadador de Guiné Equatorial, que tentava completar eliminatórias dos 100m livre
A piscina era grande demais. A maior que ele já tinha visto. E pareceu ter ganho mais alguns metros no exato momento em que ouviu a liberação para subir no bloco de partida. Era ela ou ele. Pior. Era ela ou ele, sem ninguém na raia ao lado. Numa fração de segundo, Eric Moussambani se viu sozinho depois que dois adversários apressados fizeram "o favor" de serem desclassificados por se anteciparem ao sinal sonoro de largada. Os olhares de um parque aquático inteiro e de outros milhões que acompanhariam as eliminatórias dos 100m livre pela TV estariam agora voltados para aquela raia 5. Para aquele nadador de Guiné Equatorial, que vestia sunga azul com o cordão aparente. Na borda oposta, esses sinais já eram suficientes para deixar o árbitro de virada preocupado.
- Ele estava na primeira série e, antigamente, não era nem uma série fraca, mas sim para os atletas daqueles países iniciantes, porque a Fina (Federação Internacional) dá oportunidades para todos participarem. Iriam nadar três atletas, quando o árbitro disse "Às suas marcas", dois caíram e só ficou o meu. Foi engraçado porque quando ele caiu na água eu já comecei a rezar. "Meu Deus, o que vou fazer?" E a torcida agitada... Fiquei preocupado porque na regra não dizia nada se eu podia ou não cair na água. Por instinto, eu cairia se fosse preciso. Torci para dar problema até os 25m porque dali em diante teria que resolver. Eric conseguiu passar. Quem me conhecia gritava: "Vai ter que se jogar!". Ele veio, encostou na borda de leve e virou. Eu suava, suava. Calcula só a situação... Não sabia o que iam dizer caso eu pulasse no meio da prova para ajudar se fosse necessário. Foi uma prova dos nove violentíssima - admite Rodney.
Mesmo para quem já tinha outras duas Olimpíadas nas costas. Dentro d'água, pensamentos semelhantes passavam pela cabeça de Moussambani. Os primeiros 50m não foram difíceis, segundo ele, mas os seguintes... As pernas já não levantavam mais espuma, o quadril afundava, o ar começava a escapar dos pulmões. Chegou a pensar que não completaria o percurso até ouvir a torcida. Precisava continuar. Afinal, foi ele mesmo que se colocou naquela situação.
Com tudo o que precisava devidamente assimilado no 'cursinho relâmpago', Moussambani resolveu encarar a piscina mesmo sujeito aos comentários e piadas que seriam feitos assim que descobrissem que seu nível era diferente dos demais inscritos. Para ele, o mais importante era vencer o medo e tocar a borda, completar os 100m. Precisou de 1m52s72 para isso. Aquela era a sua medalha de ouro. A que foi parar no peito de Pieter van den Hoogenband levou 47s84 para ser conquistada. E, mesmo nadando o dobro da distância, o holandês chegaria na frente de Moussambani. Na prova dos 200m livre, o europeu venceu com 1m45s35. Mas no quesito assédio...
- Eric foi aplaudido mais do que qualquer medalhista ou recordista. Teve coragem e virou estrela. Colocou o nome na história dos Jogos de outro modo. Eu devia ter tirado uma foto com ele. Foi responsável pelo meu maior susto numa piscina. Foi sui generis e nunca passei mais por isso. Meus amigos e minha família não sabem dizer o que fariam se estivessem naquela situação. Depois dali, Eric virou uma estrela quando chegou ao país dele. Ganhou patrocínio de material esportivo, ficou famoso. Não esperava, quando o vi ali, em cima do bloco, que fosse virar uma referência. Ele foi persistente e espero que tenha sido feliz em todos esses anos.
Teria sido mais se pudesse ter ido aos Jogos de Atenas-2004. Naquele ciclo, passou um tempo treinando e estudando nos Estados Unidos. Estava nadando os 100m na casa dos 57s e queria mostrar a sua evolução ao mundo. Investiu dinheiro para terminar a sua preparação na Espanha e ficou decepcionado ao saber que um erro administrativo do Comitê Olímpico de Guiné Equatorial - uma rasura na foto de seu passaporte - o impediria de entrar na Grécia. Moussambani tocou a vida. Virou engenheiro de TI em uma empresa de exploração de petróleo em Malabo, casou, teve filhos e passou a ensinar natação. O país finalmente ganhou uma piscina longa (50m).
Moussambani lamentou. Andou dizendo em algumas entrevistas que gostaria de mostrar, nos Jogos do Rio, em 2016, que sua marca evoluiu. No ano passado, fez um tiro de 100m para 55s. Aos 34 anos, tem saudade da época de nadador. O que é completamente compreendido por Rodney Finizola. Coordenador geral da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), pai de duas ex-nadadoras, avô de jogadores de polo aquático, o ex-árbitro também sente falta dos tempos que passou na borda da piscina e de todas as histórias que viu atletas escreverem nesse período. Eric Moussambani, que ficou conhecido por encarnar o espírito olímpico, foi um deles. E sem dúvida o que mais o marcou.
- Tive grandes nadadores nas minhas raias. Ian Thorpe nadou na minha em sua consagração em Sydney. Nos Jogos, nenhum brasileiro caiu na minha raia. No revezamento 4x100m livre que ficou com o bronze em Sydney, eu torci calado, olhando de rabo de olho (risos). Sinto saudade de ser árbitro. Tive de desclassificar dois nadadores, não de nome, porque viraram errado numa prova de peito. Mas foi algo visto por todo mundo. Graças a Deus não tive nenhum caso nas Olimpíadas. É uma crueldade. Sou feliz porque não aconteceu.
Rodney aguarda Eric Moussambani fazer a virada na prova dos 100m livre .
Antes mesmo de o nadador dar as primeiras braçadas e de exibir um estilo arrastado, ora com respiração lateral, ora buscando o ar de maneira frontal, Rodney Finizola deu início às orações. O brasileiro pedia para que Moussambani conseguisse completar a prova ou que ao menos não tivesse problemas em sua metade da piscina.- Ele estava na primeira série e, antigamente, não era nem uma série fraca, mas sim para os atletas daqueles países iniciantes, porque a Fina (Federação Internacional) dá oportunidades para todos participarem. Iriam nadar três atletas, quando o árbitro disse "Às suas marcas", dois caíram e só ficou o meu. Foi engraçado porque quando ele caiu na água eu já comecei a rezar. "Meu Deus, o que vou fazer?" E a torcida agitada... Fiquei preocupado porque na regra não dizia nada se eu podia ou não cair na água. Por instinto, eu cairia se fosse preciso. Torci para dar problema até os 25m porque dali em diante teria que resolver. Eric conseguiu passar. Quem me conhecia gritava: "Vai ter que se jogar!". Ele veio, encostou na borda de leve e virou. Eu suava, suava. Calcula só a situação... Não sabia o que iam dizer caso eu pulasse no meio da prova para ajudar se fosse necessário. Foi uma prova dos nove violentíssima - admite Rodney.
Mesmo para quem já tinha outras duas Olimpíadas nas costas. Dentro d'água, pensamentos semelhantes passavam pela cabeça de Moussambani. Os primeiros 50m não foram difíceis, segundo ele, mas os seguintes... As pernas já não levantavam mais espuma, o quadril afundava, o ar começava a escapar dos pulmões. Chegou a pensar que não completaria o percurso até ouvir a torcida. Precisava continuar. Afinal, foi ele mesmo que se colocou naquela situação.
Ex-árbitro trabalha hoje como coordenador geral
da CBDA .
Três meses antes dos Jogos, ouviu no rádio uma convocação. O Comitê Olímpico de seu país procurava por nadadores. Moussambani, que dava suas braçadas num rio em Malabo, resolveu arriscar. Só não esperava que seria o único candidato. Foi convidado então a fazer um teste no único hotel que tinha uma piscina de 12m. Precisava provar que sabia nadar. Ficaram satisfeitos com o que viram e disseram que precisavam de seu passaporte porque ele iria para Sydney graças a um convite do Comitê Olímpico Internacional (COI) oferecido para nações que precisavam ganhar experiência na modalidade. Pediram também que seguisse treinando, mas ele sequer tinha um técnico. Fez o que pôde sozinho e disse que aprendeu muito ao observar, da arquibancada, os nadadores americanos durante os treinos de aclimatação às vésperas do início do evento.da CBDA .
Com tudo o que precisava devidamente assimilado no 'cursinho relâmpago', Moussambani resolveu encarar a piscina mesmo sujeito aos comentários e piadas que seriam feitos assim que descobrissem que seu nível era diferente dos demais inscritos. Para ele, o mais importante era vencer o medo e tocar a borda, completar os 100m. Precisou de 1m52s72 para isso. Aquela era a sua medalha de ouro. A que foi parar no peito de Pieter van den Hoogenband levou 47s84 para ser conquistada. E, mesmo nadando o dobro da distância, o holandês chegaria na frente de Moussambani. Na prova dos 200m livre, o europeu venceu com 1m45s35. Mas no quesito assédio...
- Eric foi aplaudido mais do que qualquer medalhista ou recordista. Teve coragem e virou estrela. Colocou o nome na história dos Jogos de outro modo. Eu devia ter tirado uma foto com ele. Foi responsável pelo meu maior susto numa piscina. Foi sui generis e nunca passei mais por isso. Meus amigos e minha família não sabem dizer o que fariam se estivessem naquela situação. Depois dali, Eric virou uma estrela quando chegou ao país dele. Ganhou patrocínio de material esportivo, ficou famoso. Não esperava, quando o vi ali, em cima do bloco, que fosse virar uma referência. Ele foi persistente e espero que tenha sido feliz em todos esses anos.
Teria sido mais se pudesse ter ido aos Jogos de Atenas-2004. Naquele ciclo, passou um tempo treinando e estudando nos Estados Unidos. Estava nadando os 100m na casa dos 57s e queria mostrar a sua evolução ao mundo. Investiu dinheiro para terminar a sua preparação na Espanha e ficou decepcionado ao saber que um erro administrativo do Comitê Olímpico de Guiné Equatorial - uma rasura na foto de seu passaporte - o impediria de entrar na Grécia. Moussambani tocou a vida. Virou engenheiro de TI em uma empresa de exploração de petróleo em Malabo, casou, teve filhos e passou a ensinar natação. O país finalmente ganhou uma piscina longa (50m).
Moussambani sofre, mas consegue completar a prova nos Jogos de Sydney .
Este ano, ele foi convidado para ser o técnico da equipe olímpica nacional. Havia a esperança de que a Fina voltasse a oferecer um wildcard. O que não aconteceu porque, de acordo com a entidade, a Federação de natação de Guiné Equatorial não participou de qualquer competição mundial, continental, nem mesmo regional desde 2000.Moussambani lamentou. Andou dizendo em algumas entrevistas que gostaria de mostrar, nos Jogos do Rio, em 2016, que sua marca evoluiu. No ano passado, fez um tiro de 100m para 55s. Aos 34 anos, tem saudade da época de nadador. O que é completamente compreendido por Rodney Finizola. Coordenador geral da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), pai de duas ex-nadadoras, avô de jogadores de polo aquático, o ex-árbitro também sente falta dos tempos que passou na borda da piscina e de todas as histórias que viu atletas escreverem nesse período. Eric Moussambani, que ficou conhecido por encarnar o espírito olímpico, foi um deles. E sem dúvida o que mais o marcou.
- Tive grandes nadadores nas minhas raias. Ian Thorpe nadou na minha em sua consagração em Sydney. Nos Jogos, nenhum brasileiro caiu na minha raia. No revezamento 4x100m livre que ficou com o bronze em Sydney, eu torci calado, olhando de rabo de olho (risos). Sinto saudade de ser árbitro. Tive de desclassificar dois nadadores, não de nome, porque viraram errado numa prova de peito. Mas foi algo visto por todo mundo. Graças a Deus não tive nenhum caso nas Olimpíadas. É uma crueldade. Sou feliz porque não aconteceu.
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